domingo, 20 de abril de 2008

Mais um.

Cansada, olhou bem as fotos do álbum já gasto pelo velho e um tanto quanto maldoso tempo. As velhas rugas já eram amigas de longa data e a pele já não ficava no lugar certo sem uma boa cinta.
Sentia sono, frio, saudade. Todos os amigos e amantes já não mais conviviam com a sombra do seu antigo eu. Fora esquecida por tudo e por todos. Exceto aquele senhor do supermercado que ainda dava sempre um bondoso Bom Dia. Ah! Ele é pago pra falar isso pra todos.
Estava louca de solidão. Andava sozinha pelas ruas em busca de algum conhecido que ainda soubesse seu nome. Qual era seu nome? Não escutava ninguém pronunciá-lo mais.
Mais um copo, mais uma lágrima. O álbum, agora jogado ao chão, estava aberto na foto que um dia foi a mais querida de todas e que hoje não passa de uma recordação levemente apagada.
Rica, velha, sozinha. O destino tanto me deu, mas tanto soube me tomar. Filhos? Que filhos? Além de nunca ter casado, ainda levava nas costas uma reputação mundana que a fez ser trocada sempre por uma dama feita pra casar.
Mais uma dose, dessa vez dupla. Já está na hora de acabar com esse meu sofrimento. Não mereço tudo isso. Tudo que fiz aos outros foram planos inevitáveis. Se não fosse eu, seriam outros. Eu mereço tudo que tenho, e mereço ter o que não tive. Sempre mereci tudo.

E então, a velha senhora, de roupão de seda e salto alto, se jogou da sacada de seu apartamento luxuoso parando o movimento de carros e de pessoas. Mesmo depois de morta, ainda conseguiu parar vidas alheias, como sempre o fez por toda sua existência.